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Fakenews, Karl Popper e o paradoxo da tolerância

Boatos e fakenews já não são problema novo ou desconhecido, mas em 2020 o problema ganhou uma nova dimensão. Vários motivos contribuíram para isso, e um deles foi a eleição presidencial americana. Depois de todas as suspeições e acusações relacionadas com a eleição de Donald Trump em 2016, o assunto voltou a ser de maior importância. A questão do controlo das notícias falsas na internet nos relembra a questão do paradoxo da tolerância.

O paradoxo da tolerância

Fugindo à ação das grandes ditaduras de massas da primeira metade do século XX, Karl Popper escreveu várias obras sobre a aplicação dos princípios democráticos e a relação entre ciência, conhecimento e democracia. Uma de suas ideias centrais é o paradoxo da tolerância.

Um regime verdadeiramente democrático deve admitir a expressão de todo o tipo de ideias. É um princípio de tolerância, de aceitação do que é diferente. Um princípio que está próximo das ideias centrais que herdamos do Iluminismo, segundo o qual a melhor forma de governar implica ouvir as opiniões de todos, preservar os interesses de todos e seguir a orientação que a maioria indicar. São valores que partem do princípio que os decisores agem de forma informada.

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Porém, se o número de apoiantes dessas ideias não-democráticas (os intolerantes) crescer demasiado, eles podem se tornar dominantes. Aí, deixará de haver tolerância porque os intolerantes estarão no comando. Karl Popper concluía que um sistema democrático não poderia permitir a circulação de ideias intolerantes e radicais.

A intolerância como uma visão “total”

Grande parte do debate político é feito de ideias contraditórias mas que não ferem um conjunto central de valores que deve ser compartilhado por toda a comunidade. Por exemplo, a liberação dos cassinos é um tema polêmico na sociedade brasileira (ainda que a possibilidade de acessar jogos de cassino online, aparentemente, não seja, mas isso seria outra questão).

Exemplos mais radicais vêm dos Estados Unidos. A pena de morte é certamente uma questão fundamental, mas o país entende que é matéria que deve ser jogada para cada estado decidir. É necessária uma dose de tolerância para aceitar essa regra do jogo. A intolerância é mais que isso; não tem a ver com um tema específico, mas com uma visão total (ou “totalitária”) do que deve ser a sociedade.

Uma democracia para o século XXI

Apesar das acusações de manipulação da eleição de 2016, a ideia de democracia para o século XXI precisa reconhecer alguns fatos. Se os eleitores escolheram determinado candidato, é porque se identificavam com suas ideias, valores e mensagem, e isso nunca pode viver exclusivamente de notícias falsas. Tem razões sociais, econômicas e culturais por trás disso, que não podem ser esquecidas.

Entretanto, será preciso reconhecer que a internet tem efeitos viciantes. Há mais de 10 anos que já tínhamos investigadores questionando se o Google nos estaria deixando estúpidos, e se crê que o feed das redes sociais pode ser ainda mais forte. A publicação de notícias falsas não deve passar como algo inocente, e não deve ser tolerada.

Será necessário um maior empoderamento do cidadão enquanto consumidor de internet e, ao mesmo tempo, um reconhecimento de que os valores e as ideias políticas de nosso compatriota, ainda que diferentes, precisam ser ouvidas e não simplesmente “esculachadas”.

*Texto opinativo que, não necessariamente, condiz com o posicionamento do Boatos.org.